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Direito Constitucional

Seção 2

Sua Causa

Querido estudante! Seja bem-vindo ao nosso segundo encontro do Núcleo de Prática Jurídica com suporte em AVA de Direito Constitucional.

Relembraremos o nosso problema, saberemos qual é o nosso novo desafio e aprenderemos mais sobre Direito Constitucional e as suas conexões com outras disciplinas importantíssimas na nossa vida cotidiana.

O CASO

Luiz é advogado em São Paulo e atua na defesa de consumidores com problemas de superendividamento. Ele recebeu em seu escritório a Fernanda, uma funcionária pública municipal, que recebe vencimentos de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por mês, mas está repleta de dívidas com empresas de cartão de crédito e bancos, além de já ter perdido o seu veículo, o apartamento em que vive e o seu plano de saúde.

Por ter enfrentado algumas dificuldades nos últimos anos, Fernanda passou a não quitar as faturas de seus cartões de crédito, levando ao constante parcelamento e pagamento do mínimo previsto, o chamado crédito rotativo do cartão de crédito. Após um ano, ela viu que as contas do cartão superavam em muito o valor de seu salário e pegou um empréstimo consignado para realizar a sua quitação. Contudo, o valor do empréstimo impossibilitou-a de realizar outros pagamentos, devendo se valer de novos empréstimos consignados para pagamento das dívidas anteriores e se manter.

Nesse tempo, vendeu o seu carro e comprou outro financiado, para com o valor da venda pagar alguns dos empréstimos. No entanto, não conseguiu pagar as parcelas e teve que entregar o carro para leilão, tendo perdido o valor de entrada e, ainda, permanecido com a nova dívida referente ao veículo.

Fernanda tentou realizar uma conciliação com os devedores em uma feira que estava ocorrendo junto a uma empresa de proteção de crédito, mas não houve acordo, uma vez que os parcelamentos oferecidos comprometiam integralmente o seu salário. O mesmo ocorreu em uma tentativa de conciliação perante o Procon da capital de São Paulo. Ela levou ao escritório todos os documentos comprobatórios dessas tentativas de acordo.

As dívidas de Fernanda estão concentradas em três instituições financeiras: Banco Itubank (R$ 700.000,00), Banco Nesco (R$ 300.000,00) e Financeira Boa Grana (R$ 100.000,00).

Fernanda não possui mais nenhum bem em seu nome e vive de favor na casa de uma amiga de família.

Com isso em vista e figurando como o advogado Luiz, você ingressou com a ação de superendividamento em face das credoras de Fernanda.

A sua ação foi recebida na 7ª Vara Cível de São Paulo e, pelo juiz da causa, foi ordenada a citação das partes passivas com a ordem de apresentação de todos os documentos, em especial, os contratos de empréstimo firmados entre Fernanda e os credores, como foi requerido na inicial.

Inconformado com a ordem de apresentação dos documentos referidos, o Banco Nesco interpôs Agravo de Instrumento contra essa decisão, alegando ser ônus da parte autora a apresentação de tais documentos, não devendo ser a ele imputada essa obrigação sob pena de ferimento ao princípio do contraditório e da ampla defesa.

Luiz acaba de receber a intimação da 11ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo para se manifestar a respeito desse recurso.

Qual providência processual deverá tomar o advogado Luiz? Apresente a peça processual adequada com os fundamentos jurídicos necessários.

Aprenderemos algumas coisas que auxiliarão nessa missão que começa agora.

Fundamentando

A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR CONTRA O SUPERENDIVIDAMENTO E O CDC

Vimos que, 1º de julho de 2021, a Lei nº 14.181/2021, conhecida como Lei do Superendividamento, entrou em vigência, alterando o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e o Estatuto da Pessoa Idosa, disciplinando a concessão de crédito ao consumidor e a prevenção e o tratamento do superendividamento.

As alterações introduziram dois capítulos novos no CDC (Capítulo VI-A, dos arts. 54-A a 54-G, intitulado Da prevenção e do tratamento do superendividamento, e o Capítulo V, dos arts. 104-A a 104-C, intitulado Da conciliação no superendividamento), a fim de prevenir e tratar as causas para esse fenômeno, cada vez mais comum nas sociedades baseadas em consumo.

Essa nova proteção legislativa amplia ainda mais o vasto conjunto protetivo que a nossa Constituição e o Código de Defesa do Consumidor dirigem ao consumidor nas relações de consumo, ampliando o espectro do CDC (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990).

Devemos ter em mente que essa lei não é uma norma comum, pois, além de trazer uma série de regras e princípios sobre as relações de consumo, ela amplia a forma pela qual as tutelas metaindividuais são protegidas, sendo aplicável a todas as ações envolvendo os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos e compondo o que é chamado de Microssistema Processual Coletivo.

Perceba que o CDC é uma lei muito especial não só pela ampla proteção que ela trouxe ao sistema jurídico mas também por ser uma lei principiológica cujos efeitos irradiam para todas as relações jurídicas de consumo e coletivas. É preciso compreender a proteção do consumidor como um verdadeiro sistema que influencia outras relações jurídicas no Direito.

Por isso, os princípios do CDC são tão importantes e influenciam o Direito como um todo. Vejamos alguns deles.

Princípio da Dignidade Humana

Esse é o núcleo da proteção de todos os direitos fundamentais previstos em nossa Constituição e tem como principal objetivo colocar a pessoa humana como principal objetivo e finalidade da existência do Estado e do próprio Direito. Os seres humanos e a sua dignidade são a finalidade do Direito e jamais um meio para atingimento de qualquer resultado jurídico ou econômico.

A dignidade humana vista com os olhos do direito do consumidor tem um matiz especial, o do papel do consumidor inserido na ordem econômica e social, com a melhoria de sua qualidade de vida e a proteção de suas relações privadas.

No caso do crédito, a Lei nº 14.181/2021 também alterou o art. 6º do CDC, prevendo como direitos básicos do consumidor: a garantia de práticas de crédito responsável, de educação financeira e de prevenção e tratamento de situações de superendividamento, preservando o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, por meio da revisão e da repactuação da dívida, entre outras medidas; a preservação do mínimo existencial, nos termos da regulamentação, da repactuação de dívidas e da concessão de crédito; a informação acerca dos preços dos produtos por unidade de medida, tal como por quilo, por litro, por metro ou por outra unidade, conforme o caso.

É por essa razão que a proteção do consumidor superendividado passa a ter imensa importância, pois essa condição pode retirar dele o mínimo existencial, a sua inclusão no mercado de consumo e sua consequente inclusão social, levando à sua ruína financeira, social, familiar, profissional e existencial.

Princípio da Igualdade e o reconhecimento do Princípio da Vulnerabilidade

Trata do próprio cerne, ou núcleo da proteção do CDC, a exigência de permanente equilíbrio das partes, que são naturalmente desiguais.

Trata-se da proteção ao consumidor, ao exigir boa-fé objetiva na atuação por parte do fornecedor, para garantir o equilíbrio entre as partes. O consumidor tem o direito à informação, à revisão contratual e à conservação do contrato, sempre com o intuito de estar em par de igualdade nas contratações.

É reconhecimento da desigualdade das relações de consumo, com a presunção de que uma das partes é mais frágil jurídica, fática, socioeconômica e, em especial, quanto às informações técnicas que envolvem o produto ou serviço.

Diante da vulnerabilidade reconhecida, o CDC apresenta um conjunto de regras que, artificialmente, retomarão o equilíbrio entre as partes, tratando desigualmente os desiguais.

Princípio da Proteção

A desigualdade das relações de consumo é reconhecida e presumida pela CF e pelo CDC, devendo a parte mais vulnerável, o consumidor, ser protegida em sua incolumidade física, psíquica ou econômica.

Não é somente a regulação da relação jurídica, como ocorre no Código Civil; o CDC protege deliberadamente uma das partes, cuja vulnerabilidade reconhece: o consumidor.

Princípio da Boa-fé Objetiva

As partes nas relações de consumo devem proceder com probidade, lealdade, solidariedade e cooperação, e isso deve também na concessão responsável de crédito

A boa-fé objetiva é o agir ético que todas as pessoas devem ter, corriqueiramente, de agir de forma honesta para com os demais. Sendo princípio do direito, serve como fonte da interpretação do contrato e das relações pelo aplicador do direito. É uma regra de conduta de acordo com os ideais de honestidade, probidade e lealdade, respeitando a confiança e os interesses da outra parte.

Esse princípio possui as funções interpretativa, integrativa e de controle, pois quem descumpre a boa-fé objetiva comete um ilícito por abuso de direito (art. 51, IV, do CDC).

A boa-fé subjetiva, por sua vez, corresponde ao estado psicológico da pessoa em uma relação jurídica específica, à sua intenção ou convencimento de agir de forma correta, a fim de não prejudicar ninguém

Esse princípio ganha aspectos mais próprios na questão do crédito e do superendividamento:

Concessão de crédito responsável: as instituições financeiras e os credores devem agir com boa-fé ao conceder crédito aos consumidores. Isso significa que eles devem avaliar a capacidade do consumidor de pagar a dívida e não devem induzir o consumidor a contrair dívidas excessivas ou inadequadas às suas condições financeiras.

Possibilidade de renegociação de dívidas: quando um consumidor se encontra em situação de superendividamento, as negociações com os credores podem ser facilitadas pela boa-fé. Os credores são incentivados a negociar de boa-fé e buscar soluções justas para a situação do consumidor, evitando práticas abusivas.

Transparência dos contratos de crédito: a boa-fé também está relacionada à transparência nos contratos de crédito. Os consumidores têm o direito de receber informações claras e precisas sobre os termos e as condições de qualquer empréstimo ou contrato de crédito, de modo que possam tomar decisões informadas.

Concessão de crédito e publicidade enganosa: a boa-fé também se aplica na responsabilidade da forma e na veracidade e transparência das ofertas publicitárias de concessão de crédito, exigindo da nova lei maior rigor nessas práticas.

Princípio da Confiança

A confiança é o dever de agir com lealdade para com o consumidor, agir da forma “normal” pela qual todos esperam que uma pessoa em mesmas condições aja. Acompanha a boa-fé no sentido de agir da forma esperada, não frustrando as justas expectativas da parte contrária diante de uma situação.

Princípio da Informação e da Transparência

Este é um dos principais pilares da proteção ao consumidor: o direito de receber informação adequada, eficiente e precisa sobre o produto ou serviço, com amplo e simplificado acesso às suas características, composição, qualidade e preço, bem como dos riscos que podem ser apresentados com a sua utilização.

Esse direito à informação ganha o aspecto de dever de transparência por parte do fornecedor a respeito de todas as condições e riscos do negócio e se apresenta como um dos desdobramentos da boa-fé objetiva. O fornecedor não pode suprimir aspectos que retirem do consumidor o conhecimento de aspectos que são relevantes para o negócio, impedindo, por exemplo, a prática de escrever com letras miúdas os aspectos mais gravosos ao consumidor ou suprimir a incidência de juros ou outros gravames.

Princípio da Facilitação da Defesa e do Acesso à Justiça

O acesso à justiça e a outros meios de solução de conflitos foi garantido ao consumidor como facilitação dos meios de defesa de seus direitos. É isso que ocorre no inciso XXXII do art. 5º do CDC:

Art 5º Para a execução da Política Nacional das Relações de Consumo, contará o poder público com os seguintes instrumentos, entre outros:
I – manutenção de assistência jurídica, integral e gratuita para o consumidor carente;
II – instituição de Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor, no âmbito do Ministério Público;
III – criação de delegacias de polícia especializadas no atendimento de consumidores vítimas de infrações penais de consumo;
IV – criação de Juizados Especiais de Pequenas Causas e Varas Especializadas para a solução de litígios de consumo;
V – concessão de estímulos à criação e desenvolvimento das Associações de Defesa do Consumidor. (Brasil, 1990, [s. p.])

A criação de órgãos públicos, como os Procons estaduais, a existência de delegacias de defesa do consumidor, promotorias e defensorias públicas e a atuação de associações de defesa do consumidor, sem dúvida, facilitaram a defesa do consumidor, não apenas lhe conferindo direitos mas também criando órgãos de controle de sua efetividade.

os aspectos processuais, o CDC trouxe duas regras de proteção: a fixação do foro competente no domicílio do consumidor e a facilitação de defesa com a inversão do ônus da prova, uma exceção à regra de que a prova incube a quem alega determinado fato

Outro ponto de defesa é o reconhecimento da responsabilidade objetiva do fornecedor de produtos e serviços, dispensando o consumidor de comprovar que o dano a ele causado tenha sido causado com culpa ou dolo, bastando para tanto a comprovação do dano à prática de um ato ou omissão juridicamente relevante e o liame entre esses, o chamado nexo causal entre a causa (agir) e o efeito (dano).

A inversão do ônus da prova o magistrado poderá estabelecer a inversão do ônus da prova a favor do consumidor no processo civil quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência (art. 6º do CDC).

Quando um consumidor afirma que está sendo submetido a práticas de cobrança indevidas ou abusivas, o CDC pode permitir a inversão do ônus da prova para que a empresa cobradora prove a legalidade de suas ações e a clareza das informações fornecidas.

A inversão do ônus da prova no contexto do CDC tem como objetivo proteger os direitos dos consumidores, especialmente quando eles estão em posição de desvantagem em relação aos fornecedores.

Isso significa que, em certos casos, a empresa ou instituição financeira terá que apresentar provas para demonstrar que agiu de maneira justa e em conformidade com as leis de proteção do consumidor. A esse dever de provar que não agiu como o alegado pela parte autora é denominado de inversão do ônus da prova.

No entanto, é importante observar que a inversão do ônus da prova não é automática e, geralmente, depende das alegações específicas feitas pelo consumidor e das circunstâncias do caso. Além disso, o consumidor ainda deve apresentar suas próprias provas e argumentos para sustentar suas alegações.

PONTO DE ATENÇÃO

Código de Defesa do Consumidor.
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
VIII –a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

 

 

Vamos peticionar

Com esse conteúdo, estamos prontos para a prática!

Qual peça processual o Dr. Luiz deverá apresentar?

Ela deve ser proposta no foro competente.

Lembre-se de que temos que buscar uma solução para o problema de Fernanda junto aos órgãos financeiros de forma global e coletiva.

Qual é a peça cabível?

Feito isso, você deverá:

1) Verificar o foro competente para o seu julgamento, para fazer o correto endereçamento da peça.
2) Apresentar a devida fundamentação legal.
3) Narrar os fatos que embasam a demanda.
4) Fazer os requerimentos.
5) Datar e assinar a petição.

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