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Direito Trabalhista

Seção 3

Sua Causa

Caro estudante, seja bem-vindo à Seção 3 NPJ de Direito Trabalhista!

Na Seção 1, João da Silva ajuizou reclamação trabalhista contra a XYZ Tecnologia S.A. (autos nº 0010100-20.2023.5.03.0048), requerendo o reconhecimento de vínculo de emprego e seus consectários, assim como o reconhecimento de dispensa discriminatória pelo fato de estar acometido de câncer de próstata, com a condenação da reclamada ao pagamento de indenizações.

Na Seção 2, você fez as vezes de advogado da XYZ Tecnologia S.A., inversão esta somente para fins didáticos. Na contestação, alegou-se que a contratação de João por meio da pessoa jurídica da qual é sócio foi lícita, eis que, ausente a pessoalidade, requisito essencial para o reconhecimento do vínculo de emprego, nos termos do art. 3º da CLT. No que diz respeito à dispensa discriminatória, a reclamada defendeu-se aduzindo que a rescisão do contrato de prestação de serviços se deu pela finalização do projeto para o qual o reclamante foi contratado, e não em virtude da moléstia.

Na audiência inicial, em que houve a apresentação de defesa, ocorrida em 24/01/2024, a empresa XYZ Tecnologia S.A. formulou o seguinte requerimento, que constou na respectiva ata: A reclamada requer seja oficiada a companhia telefônica ABC Comunicação Ltda. para que junte aos autos as informações de geolocalização obtidas por meio de Estação Rádio Base, ou seja, que junte ao processo os relatórios que informam a exata localização do obreiro durante todo o período de prestação de serviço, a fim de comprovar que ele não realizava suas atividades para a empresa com a alegada habitualidade.

O requerimento foi deferido pelo juízo, que determinou que a secretaria da 48ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte/MG expeça o mencionado ofício no prazo de 30 (trinta) das corridos. O reclamante não concorda com o deferimento, razão pela qual ele requereu a consignação dos seus protestos antipreclusivos na ata de audiência.

Logo após a audiência, o reclamante, indignado, procura você com a quebra do seu sigilo. Entende que o deferimento das provas digitais é inócuo, além de violar sua privacidade, na medida em que o processo judicial é público e que qualquer um poderá saber onde ele estava em cada um dos dias do interregno da prestação de serviços.

Ele lhe pede que adote a medida judicial cabível para combater a decisão.

Agora, a “bola” está em suas mãos. Na qualidade de advogado do reclamante, adote a medida judicial apta aos interesses do seu constituinte, ou seja, que pode cassar a determinação de produção de prova digital consistente na quebra do sigilo de geolocalização junto à companhia telefônica.

A intimação dirigida à companhia telefônica ABC Comunicação Ltda. foi por ela recebida em 25/01/2024.

 

Fundamentando

DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO

Agora é o momento de analisarmos os aspectos processuais que você precisa dominar para defender os interesses do seu cliente.

1. PEÇA PROCESSUAL – IRRECORRIBILIDADE IMEDIATA DAS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS

O art. 230 do Código de Processo Civil, que se aplica de forma subsidiária e supletiva ao Direito Processual do Trabalho, define as decisões interlocutórias como atos do juiz que não ponham fim ao processo judicial nem extinguem a execução.

Na esfera trabalhista, vigora o Princípio da Irrecorribilidade Imediata das Decisões Interlocutórias, estabelecido no art. 893, §1º, da CLT, segundo o qual a parte somente pode se insurgir contra a decisão no momento recursal, após a prolação da sentença.

Todavia, a jurisprudência trabalhista alberga exceções, como se pode constatar pela leitura da Súmula nº 214 do Tribunal Superior do Trabalho. Entretanto, o que é relevante para o caso proposto é a identificação da medida judicial que pode ser adotada com o intuito de reverter a decisão que deferiu a prova digital. Para tanto, é essencial a detida análise da Súmula nº 414, do TST, em particular seu item II, que assim dispõe:

Nº 414 TST
SÚMULA Nº 414 – MANDADO DE SEGURANÇA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA (OU LIMINAR) CONCEDIDA ANTES OU NA SENTENÇA
I – A antecipação da tutela concedida na sentença não comporta impugnação pela via do mandado de segurança, por ser impugnável mediante recurso ordinário. A ação cautelar é o meio próprio para se obter efeito suspensivo a recurso.
II – No caso da tutela antecipada (ou liminar) ser concedida antes da sentença, cabe a impetração do mandado de segurança, em face da inexistência de recurso próprio.
III – A superveniência da sentença, nos autos originários, faz perder o objeto do mandado de segurança que impugnava a concessão da tutela antecipada (ou liminar)

O remédio processual está previsto, portanto, na Lei nº 12.016/2009, que deve ser cuidadosamente analisada.

Para se valer desta ação mandamental, é necessária a comprovação, de plano, de que o fato em discussão viola direito da parte. Além disso, a decisão objeto de irresignação não pode ser passível de reforma por meio de recurso imediato, como ocorre no caso sob exame. Você, portanto, tem que demonstrar a violação a direito líquido e certo do trabalhador, que poderá ser comprovada sem a necessidade de dilação probatória. Para tanto, demonstrar que a ordem jurídica pátria foi violada pela decisão judicial proferida pelo juízo da 48ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte/MG.

No tocante às partes, em sede de mandado de segurança, o autor é denominado impetrante, enquanto aquele que pratica o ato impugnado ou impugnável denomina-se autoridade coatora. Notese que, embora não se confunda com recurso, tem-se entendido possível o manejo desse expediente para atacar ato praticado no curso do processo judicial, quando a decisão judicial (ato) por si ocasionar a lesão ao direito líquido e certo do interessado.

Tendo em vista que o ato coator foi proferido pelo juízo da 48ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte/MG, ele deve figurar no polo passivo, como impetrado. Trata-se de típica situação de litisconsórcio passivo necessário (arts. 113 e 114 do CPC), de forma que a reclamada também deve figurar como impetrada, haja vista que a decisão a ser proferida em decorrência da peça processual a ser elaborada atingirá sua esfera de interesses, pois a pretensão almejada é a revogação da decisão que deferiu a quebra do sigilo de geolocalização do reclamante.

A petição inicial da ação mandamental deverá observar, basicamente, os mesmos requisitos da reclamação trabalhista. No caso, deverá ser endereçada para o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, que é hierarquicamente superior à autoridade coatora e, portanto, o órgão competente para eventual revisão da decisão interlocutória proferida na reclamação trabalhista.

Ao despachar a petição inicial, o TRT notificará a autoridade coatora do conteúdo da peça processual para que, no prazo de 10 (dez) dias, preste as informações nos autos. Não se trata, portanto, de contestação a ser apresentada pela 48ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte/MG, mas meras informações acerca da decisão judicial proferida. Por esta razão, ocorre sua notificação, e não sua citação.

Em resumo, de forma bastante direta e didática, a ação a ser elaborada, na prática, faz as vezes de um recurso.

Importante ressaltar que o art. 7º da Lei nº 12.016/09, em seu inciso III e §1º, autoriza o requerimento de medida liminar na petição inicial, com o objetivo de suspender os efeitos do ato impugnado (decisão que deferiu a produção de prova digital) até o julgamento da ação mandamental. Então, valha-se desta possibilidade, eis que é fundamental para resguardar os direitos do seu cliente. Portanto, lembre-se de que, para que a liminar seja concedida, faz-se imperioso restar demonstrado os seguintes requisitos: probabilidade do direito e perigo da demora. Sendo assim, é necessário que você demonstre o risco de manutenção da decisão até o julgamento final desta ação, isto é, os prejuízos que seu cliente pode ter com esta espera, bem como o perigo da demora caso a decisão na ação mandamental seja inócua, haja vista o transcurso regular da reclamação trabalhista contendo as provas digitais requeridas e autorizadas pelo juízo.

A peça processual também tem rol de pedidos e deve ser indicado o valor da causa. Não se esqueça de inserir data e assinatura sem sua identificação.

Lembre-se de que o prazo de ajuizamento é de 120 (cento e vinte) dias, conforme art. 23 da Lei nº 12.016/09, mas que você deve ser muito ágil, haja vista os direitos do seu cliente que estão em “jogo”, pois, no máximo, em 30 (trinta) dias, os dados de geolocalização do laborista terão sido juntados aos autos pela companhia telefônica.

2. DIREITO MATERIAL

O cerne da questão, do ponto de vista do Direito Material, é se a quebra do sigilo de geolocalização do reclamante João da Silva viola ou não alguns de seus direitos.

O ponto de partida deve ser a análise das disposições da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. O seu art. 5º, inciso X, dispõe sobre o direito à intimidade, ao passo que o inciso XII preceitua sobre a inviolabilidade das comunicações.

Outras fontes normativas também podem ser úteis para o desenvolvimento da peça processual a ser elaborada. Sugere-se a leitura da Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD (Lei nº 13.709/18), em especial, seus arts. 1º e 2º, e do denominado Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/14), em particular, o seu art. 7º.

Em se tratando de jurisdição trabalhista, é interessante analisar o Enunciado nº 27, do Grupos de Estudos Análise Normativa e Análise Jurisprudencial da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, que assim sugere:

Enunciado nº 27 – PROVA DIGITAL POR GEOLOCALIZAÇÃO. VIABILIDADE. REQUISITOS. INICIATIVA. PRODUÇÃO. ANÁLISE. OPOSIÇÃO. RESGUARDOS.
I – A prova digital por geolocalização é legal, moralmente legítima (art. 369 do CPC) e está genericamente autorizada nos arts. 22 da Lei 12.695/2014 (MCI) e 7º da Lei 13.709/2019 (LGPD). Em sua produção devem ser observados os requisitos de autenticidade, integridade e cadeia de custódia (art. 4º, VIII, da Lei 12.527/2011 e arts. 158-A, 158-B e 159 do CPP).
II – A prova digital por geolocalização pode ser requerida pela parte ou determinada de ofício pelo(a) juiz(íza) do trabalho (art. 13 Lei 11.419/2006). Na avaliação do requerimento, será observada a distribuição dinâmica do ônus probatório digital (art. 42, § 2º, da LGPD).
III – A prova digital por localização não é infalível, nem substitutiva da prova testemunhal. Na decisão de sua produção, cabe à(ao) juiz(íza) do trabalho efetuar avaliação de verossimilhança. Em sentença, será analisada conjuntamente com demais meios de prova produzidos.
IV – Somente o titular dos dados pessoais requisitados, que eventualmente se sentir lesado com a ordem judicial, pode manejar medidas processuais para discutir a determinação. Cabe unicamente ao controlador dos dados cumprir a ordem judicial de apresentação das informações (arts. 5º e 7º, § 5º, da Lei 12.965/2014).
V – Cumpre ao(à) juiz(íza) avaliar resguardo de dados sensíveis (art. 194 do CPC; e arts. 5º, II; 7º e 11 da LGPD), inclusive com imposição de segredo de justiça.

Agora você já tem elementos suficientes para fundamentar a petição inicial de sua ação mandamental a ser ajuizada com o objetivo de cassar a decisão interlocutória que autorizou a quebra do sigilo de geolocalização do reclamante

De toda forma, sugiro que você acesse a decisão do Processo nº 0000865-44.2021.508.0000, proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região, e que pode ser acessada no seguinte endereço eletrônico:
https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/trt-8/1659553302/inteiro-teor-1659553303

Aconselha-se, ainda, a leitura da decisão prolatada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, nos autos nº 0011685-29.2022.5.03.0000, que menciona acerca da excepcionalidade da quebra do sigilo de geolocalização do trabalhador:
https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/trt-3/1715640471/inteiro-teor-1715640512

3. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

Nos termos do art. 25 da Lei nº 12.016/09, não é cabível condenação ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência em ação desta natureza. Assim, não é necessário qualquer tópico neste sentido.4. JUSTIÇA GRATUITA

Tendo em vista a situação econômica de João da Silva, já noticiada na Seção 1 do NPJ de Direito Trabalhista, é recomendável que seja requerida a justiça gratuita, a fim de que não haja o pagamento de custas, caso a segurança seja denegada.

Quadro 1 | Sinótico da legislação e jurisprudência consolidada aplicável (referidos e não referidos nas explicações anteriores)

 

 

Vamos peticionar

Chegou o grande momento! Concentre-se e elabore a petição inicial apta a combater a decisão interlocutória proferida pela 48ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte/MG.

O seu endereçamento deve ser ao Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, que é o órgão competente para processar e julgar a ação mandamental. Sugere-se a menção ao Presidente do TRT, haja vista que o regimento interno de cada Tribunal define o órgão competente para processar e julgar a ação a ser interposta.

Seja conciso no desenvolvimento da peça processual.

Embora não seja um pressuposto, é importante a elaboração de tópicos acerca da sua tempestividade.

Mãos à obra!

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